APELA – Associacao Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrofica Apela

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Republicação: Fábio Carvalho, autor de ‘Na Estrada da Vida’, um livro escrito com recurso ao olhar

No âmbito do mês dedicado à consciencialização para as doenças raras, republicamos a entrevista feita a 12 de Junho de 2020 a Fábio Carvalho, diagnosticado com ELA em 2018. O livro que publicou foi escrito entre perdas. As últimas páginas foram escritas com recurso ao olhar.

[Este livro está disponível para venda, nas instalações da APELA].

[Republicação]

Na Estrada da Vida, uma entrevista a Fábio Carvalho

Fábio dos Santos Marcondes Carvalho, tem 60 anos, reside em São Paulo, no Brasil e foi diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) em Setembro de 2018. Entre palavras e imagens, narra a sua história antes e depois do diagnóstico no livro Na Estrada da Vida, lançado em 2019. Em entrevista à APELA, conta-nos como tudo começou e quais os desafios que encontrou no momento de escrever um livro maioritariamente com recurso ao olhar.

O que motivou a escrita deste livro?

Eu sempre quis escrever um livro sobre as minhas viagens de mota pelo mundo. Após a viagem ao Alaska, em 2017, cheguei à conclusão que já tinha material suficiente, com muitas dicas e boas histórias, para entreter e inspirar os amantes de viagens de mota de longas distâncias. Afinal, sem contar as viagens pelo Brasil, eu tinha estado nos dois extremos das Américas e tinha “rasgado” a Europa por diversas vezes. Nas incontáveis horas de “solidão” dentro do capacete, sentia muita vontade de compartilhar aquelas paisagens, aquelas experiências, aquele privilégio de estar do outro lado do mundo com a minha mota, com os meus companheiros de aventura, realizando uma das viagens dos nossos sonhos. Já estava no processo de definição da estrutura do livro e na escolha das fotografias quando recebi o terrível diagnóstico de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Com isso, a “pegada” do livro teve que sofrer algumas alterações, mas a vontade de escrever ficou ainda mais aguçada.

Qual a história de Na Estrada da Vida?

Além da ideia original do livro, que eram as minhas viagens de mota, decidi ampliar o leque de histórias, incluindo alguns sonhos que eu alimentei na vida e tive o privilégio de realizar. Entre eles, estão o Caminho de Santiago de Compostela, as quatro maratonas internacionais que eu completei e também a minha mudança temporária para Portugal, aproveitando a fase que meus filhos estariam estudando na Alemanha. Assim, o livro ganhou um enfoque de alimentar, correr atrás e nunca desistir dos sonhos.

Sabemos que parte deste livro foi escrito através do olhar. De que forma transitou da escrita através do teclado para a escrita através do olhar? Que apoios teve nesse processo?

A minha ELA é bulbar. Assim, as mãos e os pés não foram afetados inicialmente. Eu havia organizado o material (anotações, fotos, mapas, etc.) e iniciava a Introdução quando as mãos começaram a perder a sua destreza. Com o passar das semanas, eu passei a usar ortóteses para enrijecer os dedos e também um rato controlado pelos pés, além de outras pequenas adaptações, que me permitiam fazer tudo, mas levando um tempo sensivelmente maior, além da falta de precisão nos trabalhos com as fotos. Eu já conhecia os equipamentos de eyetracking da Tobii, mas efetivamente tive as primeiras experiências práticas no Brasil na Associação dos Pacientes Portadores de ELA (APPELA) que atua apenas na área da tecnologia assistida, e enquanto estive em Portugal na Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA). Com o apoio de ambas e muito treino, já focado na produção do livro, eu tive uma transição tranquila, o que me permitiu finalizar os demais capítulos do livro, além de definir as fotos, legendas e produzir todos os anexos do livro.

Quais os maiores desafios na redação deste livro?

Escrever este livro deu-me um enorme prazer. Relembrar as viagens dos meus sonhos, os meus parceiros de estrada, os lugares, paisagens, as conversas com os locais, também os acidentes, as dificuldades, o frio, o calor, o vento na cara, as incontáveis vezes em que eu me emocionei dentro do capacete. Tudo isso foi aflorando na memória e fluiu maravilhosamente durante a escrita, trazendo muita emoção e lágrimas, muitas lágrimas.

Quais os maiores desafios na redação de um livro através do olhar?

No início parece estranho e difícil. No entanto, à medida que se pratica, a velocidade na escrita e a precisão nas demais tarefas aumentam vertiginosamente. No meu caso, eu não tinha escolha, pois tinha um cronograma com a editora, que terminava no evento de lançamento do livro, dali a poucos meses. Hoje, eu manipulo folhas de cálculo no Excel, faço apresentações no Power Point, trabalho fotos e filmes, pago minhas contas no banco e acedo às redes sociais normalmente. Estou em permanente contato com a família e com os amigos, que praticamente não percebem que eu estou a escrever com os olhos.

Como descreveria o papel que a sua família teve na gestão do diagnóstico de ELA?

É uma situação totalmente inusitada, para a qual ninguém está preparado e desconhecida pela grande maioria das pessoas. Uma doença terrível, denegerativa, progressiva, ainda sem perspectivas de cura, que requer um tratamento intensivo somente para retardar sua progressão. Essa era a descrição da doença entre os vários médicos consultados, sendo que a posição mais otimista que recebi foi a de viver um dia após o outro e procurar manter a cabeça boa… Nesse momento, quando se perde totalmente o chão, alterando os planos de curto, médio e longo prazos, é nesse momento que entra em cena a família e os amigos, nossas verdadeiras riquezas. Minha esposa rapidamente se engajou no trabalho das Associações de apoio aos pacientes de ELA, os filhos auxiliam nas tarefas de casa e nas palestras motivacionais que tenho ministrado. E eu não posso deixar de mencionar os meus amigos, amigos verdadeiros, que desde o início se perfilaram ao meu lado de maneira incondicional. Eu posso dizer que a fé, a família e os amigos fazem toda a diferença nessa nova e difícil realidade.

A pandemia por Covid-19 provocou alterações na sua vida? Se sim, quais? Quais as maiores dificuldades que identificou durante este período?

Esse vírus representa um tipo de ameaça para a qual a humanidade não está preparada. No meu caso, além de afetar os negócios, influi de maneira importante no meu tratamento. Com o confinamento recomendado pelo Governo, as fisioterapias estão sendo feitas em casa, por minhas cuidadoras e família, conforme instruções e acompanhamento remoto por parte dos profissionais de saúde responsáveis. Meus cuidadores, que se revezam 24 horas e dependem de variados transportes coletivos, têm adotado rígidos cuidados de higiene e proteção.

Deixou algo por dizer nestas páginas?

A mensagem principal do livro: Nunca desista dos seus sonhos.

Depois desta, podemos esperar uma próxima publicação?

Quem sabe? Foi uma experiência muito gratificante, mas ainda não pensei seriamente nisso. O livro tem sido bem aceite e tem rendido uma série de palestras motivacionais, que alavancam as vendas, cuja renda é 100% revertida para as Associações de amparo aos pacientes com ELA que manifestam carência económica. Atualmente eu estou trabalhando na segunda edição, revista e ampliada, e que deverá ser disponibilizada também no formato e-book, permitindo o acesso através do computador.

A APELA tem 100 exemplares para venda, cujas verbas revertem na íntegra para a Associação. Caso pretenda comprar o seu, escreva-nos para geral@apela.pt.

Nota: O sistema de eyetracking utilizado pelo Fábio chama-se PC Eye Mini e resulta do donativo feito pela Fundação Altice Portugal, uma das entidades responsáveis por alavancar o banco de produtos de apoio à comunicação da APELA, a par do BPI Capacitar e da Fundação La Caixa. Para esclarecimento de dúvidas sobre os Sistemas Aumentativos de Comunicação na ELA, escreva-nos para terapiadafala.lisboa@apela.pt ou terapiadafalaporto@apela.pt .

Fotografias

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