A APELA participou no passado dia 24 de Fevereiro numa audição parlamentar, realizada no âmbito do Grupo de Trabalho sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, constituído na esfera da Comissão de Trabalho e Segurança Social, e com funcionamento conjunto com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Para ouvir a audição na íntegra, clique AQUI.
Integram o referido Grupo de Trabalho, para além da sua Coordenadora, os Senhores e as Senhoras Deputadas Marta Freitas e Francisco Pereira Oliveira (PS), Helga Correia e Carla Madureira (PSD), José Manuel Pureza (BE), Diana Ferreira (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP) e Inês de Sousa Real (PAN).
No contexto desta audição a APELA apresentou um conjunto de preocupações do foro social, mas também relativas a áreas como a saúde e as políticas públicas.
De seguida partilhamos a carta enviada aos grupos parlamentares, na qual constam as preocupações apresentadas pela APELA no âmbito desta audição.
***
Boa tarde a todas e a todos,
Começamos por agradecer o vosso convite e por vos felicitar pela organização desta audição.
Como sabem, a Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença neurológica, degenerativa e ainda sem cura, que afeta cerca de 800 portugueses. Caracterizada pela fraqueza e pela atrofia muscular progressivas, a ELA evolui de uma forma rápida provocando uma incapacitação física que compromete os membros superiores, inferiores, o aparelho respiratório, a fala e a deglutição, em proporções variáveis e imprevisíveis. Considerando que a sobrevida destes doentes oscila, em média, entre os 2 e os 5 anos de vida, preocupa-nos muito a organização do sistema de resposta atual, sobretudo nas áreas social e da saúde. Este sistema é altamente burocrático, condição que tem implicações graves no que diz respeito à atribuição atempada de produtos de apoio, essenciais para que estes doentes possam viver condignamente e com qualidade de vida.
Importa dizer: estes produtos, sejam eles de apoio à comunicação ou à mobilidade, compensam perdas. Perdas que acontecem imprevisivelmente, que se sucedem em catadupa e para as quais nem sempre temos uma margem de tempo favorável para que a elas possamos responder. Agilizar a prescrição e a atribuição destes produtos é, por todas as razões, absolutamente crucial se quisermos garantir que estes doentes beneficiam deles em tempo útil.
Da mesma forma, reconhecemos como incontornável a aprovação de um dos projetos de lei apresentado em Outubro passado e que visava a automatização da emissão dos Atestados Médicos de Incapacidade Multiusos (AMIM), como forma de contrariar a suspensão e os atrasos das Juntas Médicas. Também aqui, importa dizê-lo: uma pessoa com ELA sem AMIM, não pode requerer os seus direitos e as suas prestações sociais. O Estado não vê, mas enquanto a pessoa com ELA aguarda pelo agendamento de uma Junta Médica para receber o seu AMIM, a doença já progrediu, as perdas já se fizeram sentir e a pessoa continua sem uma cadeira de rodas, sem um elevador de transferência, sem uma viatura adaptada, sem um computador ou sem um sistema de acesso pelo olhar que permita comunicar com o único movimento que ainda lhe resta, que é o movimento ocular. Isto acontece. Os produtos de apoio estão a demorar cerca de um ano a serem atribuídos e temos pessoas que morrem ao fim de 6 meses. Sugerimos:
A aprovação de um dos projetos de lei, que valide emissão automática do AMIM no caso de doenças incapacitantes, sem necessidade de agendamento de uma Junta Médica;
Priorizar a ELA e outras doenças com o mesmo tipo de impacto, no SAPA;
Criar uma parceria entre o Governo e algumas Associações que tenham, como a APELA, um banco de produtos de apoio, para que em caso de necessidade as pessoas possam recorrer a esta opção, enquanto não lhes são atribuídos os produtos aos quais teriam direito por parte da Segurança Social (SS). Esta parceria implicaria, por parte do Governo, o apoio à conservação e a reutilização dos equipamentos.
Isto é, atualmente, os produtos de apoio são atribuídos e não há, por parte do doente, o compromisso da sua devolução. Por vezes, os equipamentos estão em boas condições e podiam ser atribuídos a outras pessoas que precisam. Acreditamos que o compromisso de devolução e reutilização dos equipamentos seria uma alternativa mais sustentável e que salvaguardaria uma resposta mais rápida aos doentes que aguardam pelos PA que solicitaram junto do IEFP ou da Segurança Social.
O binómio tempo-qualidade de vida é incontornável quando pensamos numa doença como a ELA e aplica-se não só à pessoa doente, mas também ao seu cuidador. Dizemos com frequência que a ELA é uma doença de baixa incidência, mas com grande impacto. Significa isto que a brutalidade do diagnóstico implica o envolvimento de um conjunto de recursos humanos e financeiros, que nem todas as famílias têm disponíveis.
O impacto desta doença sobre o cuidador informal é tremendo e a necessidade de um acompanhamento de proximidade e em contexto domiciliário torna-se, com o tempo, inadiável.
Lamentavelmente, os nossos cuidadores não estão a ter o apoio necessário para prestar os cuidados que a pessoa com ELA exige e isto tem um impacto físico e psicológico, não só sobre a pessoa cuidada, mas também sobre quem dela cuida. Findados os projetos-piloto, importa avaliar de que forma o Estatuto vai ser concretizado e que medidas de apoio é que estão previstas para todos os cuidadores portugueses.
Ainda no concernente ao cuidado, importará também assegurar a continuidade dos Centros de Apoio à Vida Independente, que representam um contributo determinante na melhoria da qualidade de vida destes doentes e das suas famílias. Para além da garantia de uma maior autonomia e independência da pessoa com ELA, constatamos que este projeto tem repercussões positivas na gestão da sobrecarga do cuidador. Isto é particularmente evidente em famílias em que o cuidador informal trabalha. A gestão da prestação de cuidados, do emprego e da vida doméstica são facilitados com o apoio de um Assistente Pessoal, contratado ao abrigo do Modelo de Apoio à Vida Independente.
Estas são as questões sociais que mais nos preocupam, sendo que, no essencial, estão intrinsecamente relacionadas com as preocupações que temos no que diz respeito ao lugar da pessoa com ELA em matérias ligadas ao contexto da saúde.
Referimo-nos aos âmbitos da vacinação, da referenciação destes doentes para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e, não menos importante, à secundarização e total omissão de sistemas aumentativos de comunicação na esmagadora maioria dos hospitais do SNS.
No que diz respeito à vacinação, parece-nos premente priorizar estes doentes com a mesma urgência com a qual se priorizaram os doentes com insuficiência respiratória. Parece-nos também que o critério da idade não faz qualquer sentido no caso da ELA, uma vez que doentes com 30 ou 40 anos podem ter um prognóstico mais reservado do que doentes com 60, 70 ou 80. Acreditamos que esta é uma situação que deve ser revista. A APELA já enviou vários e-mails para a Task Force, sendo que recentemente fomos informados de que a situação seria avaliada com o corpo clínico. Ainda neste âmbito, foi pedido que a administração das vacinas junto de pessoas com ELA tivesse em consideração que a perda da fala natural implica o recurso a Sistemas Aumentativos de Comunicação (SAC) que devem constar nos hospitais para que aos doentes seja dado o direito a comunicar.
A questão da comunicação preocupa-nos e sentimos que Portugal não tem políticas públicas suficientes que protejam pessoas com esta patologia ou com algum tipo de disartria. Acreditamos que os SAC devem constar nos espaços públicos e privados, mas essencialmente em locais como hospitais e locais destinados ao lazer, para que a pessoa com ELA possa comunicar sempre e em qualquer contexto, mesmo sem ter fala natural ou mobilidade nos membros superiores. Falamos de tabelas de baixa tecnologia, em acrílico ou papel, se pensarmos em soluções de baixo custo. Implica uma ponderação nomeadamente sobre a forma de implementação, mas trata-se de uma situação que não deve ser descurada, sob pena de comprometermos os direitos, liberdades e garantias da pessoa com ELA ou de qualquer outra que tenha sido diagnosticada com uma patologia que desencadeie uma disartria.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2021