As necessidades comunicacionais da pessoa com ELA e a importância do recurso atempado a Sistemas Aumentativos de Comunicação (SAC) tem sido um tema amplamente trabalho pela APELA, não só junto da pessoa com ELA e dos seus familiares e cuidadores, mas também junto dos profissionais de saúde. Perante uma circunstância de vida em que a perda da fala natural e o comprometimento dos membros superiores pode colocar em causa a salvaguarda de um direito humano fundamental, como aquele que reconhece o direito à comunicação, importa manter viva a luta pela consciencialização de todas e todos e de cada um, garantindo que a pessoa com ELA comunica de uma forma eficaz, inteligível e em qualquer contexto, independentemente daquela que é a sua condição.
Luciana Frade, Médica interna de Medicina Interna no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, fala-nos sobre este tema em mais um artigo publicado na Revista Health News em parceria com a APELA, que partilhamos também aqui.
COMUNICAR: A IMPORTÂNCIA DE COMBATER A BARREIRA FÍSICA NA PROMOÇÃO DA AUTONOMIA E DA QUALIDADE DE VIDA
Por Luciana Frade
Mestre em Medicina pela Charles University, CZ
Médica interna de Medicina Interna (5 ano) Centro Hospitalar Lisboa Ocidental
Colaboradora voluntária com APELA
Mestranda 2.ano do Mestrado Cuidados Paliativos – Universidade Católica Portuguesa
A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), condiciona desde cedo na sua evolução clínica e muitas vezes como forma primária de apresentação, a dificuldade na promoção do discurso que inevitavelmente interfere com a participação e intervenção social por parte do doente. Cria-se assim um quadro de vulnerabilidade comunicacional, definida pela falha que ocorre no processo entre o individuo e o seu interlocutor condicionando uma barreira na participação das atividades do quotidiano, isolando-o(a) portanto. Surgem assim, alternativas de comunicação denominadas de Augmentative and Alternative Communication (AAC). Estudos indicam que aproximadamente 96% dos doentes com ELA que iniciaram AAC, aceitam e usam estas ferramentas até poucos dias antes da morte, provando assim a eficácia que promovem na comunicação não apenas com familiares, cuidadores, mas também na expressão de sintomas para com o corpo clínico assistente.1 Muitas vezes, apenas o cuidador mais próximo consegue comunicar com o doente e isso constitui uma enorme angústia para ambos na sua ausência.
Sabe-se ainda que a incapacidade de comunicação interfere com a qualidade de vida,2 enaltecendo mais ainda o interesse neste tema e a relevância na prática clínica como componente integrante dos cuidados. Nomeadamente dos Cuidados Paliativos, onde impera o alívio do sofrimento em todas as suas dimensões. Terão todos os doentes com ELA acesso aos AAC como tantas outras patologias têm aos seus tratamentos? A incapacidade de comunicação não constituirá um sintoma crucial da doença a ser tratado?
Ao leitor, proponho que apenas durante 2 horas do seu dia, faça a tentativa de comunicar com quem o rodeia, sem ou com escasso recurso a expressão corporal. Liste tudo o que pretende comunicar e no final desse período faça um balanço daquilo que conseguiu fazer chegar ao receptor e aferir se a informação que chegou era concordante com o que pretendia transmitir.
Duro, não é? Díficil, não é? Sensação de aprisionamento não apenas numa estrutura física, mas num mundo inteiro em que nos inserimos. Angústia, claustrofobia, medo, ansiedade são alguns dos sentimentos que senti com este exercício. Permita-se fazê-lo.
Imaginemos agora viver uma existência por inteiro privada desta comunicação que temos como adquirida. Milhares de palavras ficam por proferir, centenas de receios, dezenas de assuntos não resolvidos, vários sentimentos e até sintomas não expressados. Imaginemos.
Urge integrar a Comunicação como peça fundamental do tratamento do doente com ELA, o acesso a terapia da fala para todos desde tenra fase do percurso, acesso a ACC de igual forma, apoio na logística associada aos mesmos. No meio rural ou na capital.
A comunicação permite-nos ser incluídos numa sociedade, deixar para trás o isolamento, a solidão, permite-nos tomar decisões, permite-nos orientar diretrizes. Permite-nos viver.
Urge dar voz.
McKelvey, M., Evans, D. L., Kawai, N., & Beukelman, D. (2012). 431 Communication styles of persons with ALS as recounted by 432 surviving partners. AAC: Augmentative and Alternative Com433 munication, 28(4), 232-242.
Neto LL, Constantini AC, Chun RYS. Communication vulnerable in patients with Amyotrophic Lateral Sclerosis: A systematic review. NeuroRehabilitation. 2017;40(4):561-568. doi: 10.3233/NRE-171443. PMID: 28222570.
Artigo publicado na plataforma Healthnews, em parceria com a APELA.