A Mitocôndria na Progressão da ELA: Desenvolvimento de Novas Terapêuticas Mitocondriais
Um artigo por Filomena SG Silva
Doutorada em Ciências e Tecnologias da Saúde pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
Investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra
A Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença neurodegenerativa severa que, apesar de não possuir nenhuma terapia eficaz até ao momento, está cada vez mais a despertar grande interesse na comunidade científica a nível mundial.
Apesar de pouco se conhecer acerca dos fatores que levam ao seu desenvolvimento, vários estudos científicos têm demonstrado que as alterações mitocondriais e o aumento de espécies reativas de oxigénio (ERO, moléculas derivadas do oxigénio que podem levar a oxidações indesejáveis nas nossas células) estão envolvidos na degeneração dos neurónios motores, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da ELA1. No entanto, continua em grande parte por desvendar a forma como estas nossas fontes de energia celular (as mitocôndrias) estão envolvidas neste processo. Acreditava-se até há uns anos que as alterações mitocôndrias contribuíam para o desenvolvimento da ELA apenas numa pequena percentagem de doentes que possuíam alterações genéticas especificas (neste caso mutações no gene da superóxido dismutase, SOD1). Sabe-se atualmente que estas alterações estão também presentes em casos esporádicos de doentes com ELA, i.e. em casos de doentes que não apresentam historial familiar, assim como em doentes com outras alterações genéticas específicas (exemplo das mutações da C9orf72, TDRDBP e FUS), que podem ou não ter historial familiar1,2.
De forma a compreendermos o papel da mitocôndria na progressão da ELA e a identificar terapêuticas que tenham por base preservar a saúde mitocondrial, surgiu o projeto Português Mito4ALS: Desenvolvimento de novos antioxidantes dirigidos para as mitocôndrias na melhora do fenótipo de ELA, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (2018-2021), que coordeno. Este projeto, que conta já com resultados bastante promissores, decorre da colaboração de duas equipas com conhecimentos específicos e complementares. A equipa de Química Medicinal da Universidade do Porto (UP) liderado pela Prof. Fernanda Borges, especializada na síntese de compostos bioativos, tem vindo a desenvolver novos antioxidantes dirigidos para as mitocôndrias, que possam reverter ou mesmo proteger as células das principais alterações mitocondriais que ocorrem nesta doença. No CNC, o projeto decorre inserido no grupo de investigação MitoXT (grupo de investigação liderado pelo Prof. Paulo Oliveira), que se centra no metabolismo mitocondrial e no papel deste organelo na doença e na toxicidade induzido por fármacos usados na clínica. No grupo MitoXT, a investigação é focada em dois principais objetivos. Por um lado, tentamos perceber como é que as alterações mitocondriais e o aumento de ERO ocorrem durante o desenvolvimento da doença, de forma a identificar diferentes alvos mitocondriais que nos possam ajudar a travar esta doença. Por outro lado, testamos os novos antioxidantes dirigidos para as mitocôndrias que são sintetizadas na UP, em modelos in vitro de ELA, de forma a avaliar a sua eficácia terapêutica com base numa estratégia de proteção mitocondrial.
Com o intuito de percebermos o papel da mitocôndria nesta doença, temos vindo a estudar diferentes alterações mitocondriais em células obtidas de doentes com ELA (designados de linfoblastos), com e sem mutação no gene da SOD1. A SOD1 uma enzima antioxidante que em condições normais protege as células das ERO, mas que, quando mutada, pode desencadear mecanismos de stress oxidativo com efeitos nefastos nas mitocondriais1. Os resultados deste projeto têm mostrado que existem diferentes perfis de alterações mitocondriais e de oxidação que nos permitem distinguir claramente pacientes com mutação na SOD1 de pacientes em que esta mutação não foi identificada, mostrando-nos também importância de desenhar diferentes abordagens terapêuticas de proteção mitocondrial de acordo com o subgrupo de doentes. Este trabalho já deu origem a várias comunicações em congressos internacionais da área e irá ser publicado muito em breve numa revista científica da especialidade.
Na investigação de uma abordagem terapêutica, temos vindo a testar o efeito das novas moléculas dirigidas para as mitocôndrias baseadas em antioxidantes normalmente existentes na dieta em linfoblastos de doentes com ELA, de forma a avaliar a sua eficácia terapêutica com base numa estratégia de proteção mitocondrial. Os estudos animais com o melhor composto selecionado irão ser iniciados no próximo mês de março. Estamos igualmente à procura de financiamento para iniciar um segundo estudo em ELA, focando na procura de novas plataformas celulares para diagnosticar com mais precisão a fase da doença e testar novos fármacos.
1 Cunha-Oliveira T, Montezinho L, Mendes C, Firuzi O, Saso L, Oliveira PJ, Silva FSG. Oxidative Stress in Amyotrophic Lateral Sclerosis: Pathophysiology and Opportunities for Pharmacological Intervention. Oxidative medicine and cellular longevity. 2020;2020:5021694.
2Smith EF, Shaw PJ, De Vos KJ. The role of mitochondria in amyotrophic lateral sclerosis. Neuroscience letters. 2019;710:132933.