APELA – Associacao Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrofica Apela

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Cuidar da pessoa com ELA: desafios, limitações e impactos

A APELA acompanha pessoas diagnosticadas com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e os seus cuidadores, quer sejam formais, quer sejam informais. A ELA, como sabem, é uma doença cruel, profundamente incapacitante, que se caracteriza pela fraqueza e pela atrofia muscular progressivas, comprometendo, no seu curso, o movimento dos membros superiores e inferiores, mas também a fala e a deglutição. A função cognitiva permanece intacta ao longo da doença, excetuando 5% dos casos que podem sofrer de demência frontotemporal. A progressão da doença é rápida e a sua sobrevida oscila entre os 2 e os 5 anos de vida. Por esta razão, a ELA exige um acompanhamento multidisciplinar e transdisciplinar, respostas céleres, atribuições de prestações sociais atempadas e um cuidado formal e informal especializado e permanente.

Os nossos cuidadores, particularmente os cuidadores informais, dedicam-se diariamente, permanentemente, para garantir que a pessoa com ELA se mantém estável, com qualidade de vida e com um projeto que dê sentido a cada um dos seus dias, que deverão ser vividos com autonomia e dignidade.

Isto é possível. Queremos acreditar que isto é mesmo possível. Não nos passa pela cabeça que não seja possível viver nesta condição sem ter os produtos de apoio necessários para fazer face a cada perda, ou uma pessoa 100% disponível para cuidar e para estar nos momentos em que essa presença se fizer necessária.

A experiência, contudo, mostra-nos uma realidade diferente.

Mostra-nos que as pessoas com ELA estão a ver comprometida a sua autonomia, a sua dignidade e a possibilidade de se manterem cidadãs verdadeiramente integradas numa sociedade, porque não têm consigo os recursos materiais e humanos que viabilizam essa integração.

Por todas as razões, é necessário garantir que os apoios que já existem chegam em tempo útil às pessoas cuidadas; e é necessário garantir que quem se dedica ao cuidado permanente do Outro não fica por cuidar.

E aqui há vários vazios, desde logo, pelo sentimento de desorientação que existe após o diagnóstico, com doentes e cuidadores a saírem de uma primeira consulta sem informações sobre de que forma gerir a progressão da doença e de que forma cuidar. Como fazer transferências, mobilizações, aspirações, no caso de a pessoa já se encontrar ventilada, ou como comunicar com o seu familiar através de uma tabela de baixa tecnologia, quando a fala natural se tornou incompreensível e o olhar já não diz tudo.

Capacitar o cuidador informal é premente e, particularmente numa doença que exige cuidados tão específicos como a ELA, torna-se fator crucial para que possamos evitar situações-limite que invocam a necessidade de uma ida a urgência, por exemplo. Assegurar que o doente permanece no seu domicílio, acompanhado pelo cuidador informal que o conhece como ninguém, exige que se invista num plano destinado à capacitação deste último.

A capacitação e orientação contínuas do cuidador informal são cruciais. No entanto, não impedem que se acumule, ao longo do tempo, um desgaste físico e psicológico que deverá implicar um acompanhamento de proximidade por parte de um psicólogo e o recurso a períodos de descanso regulares.

Durante a pandemia, o designado “descanso do cuidador” – que habitualmente acontece por intermédio de uma referenciação da pessoa doente para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) – tornou-se difícil de concretizar. Em parte, pelo facto de a institucionalização da pessoa com ELA em contexto pandémico constituir um risco. Esse foi um dos motivos pelos quais as pessoas que estavam institucionalizadas até Março de 2020, foram referenciadas para regressarem ao seu domicílio (nos casos em que essa opção, aparentemente, seria possível). O que o terreno nos mostrou, é que nem todas as famílias estavam preparadas para receber estes doentes em domicílio e que nem todos os cuidadores estavam munidos dos recursos necessários para cuidarem da pessoa com ELA.

Sobretudo durante o primeiro estado de emergência, foram interrompidos os cuidados prestados por parte das equipas comunitárias, o que comprometeu a continuidade dos tratamentos e a higiene da pessoa com ELA, nomeadamente em casos em que a cuidadora não tinha força suficiente para suportar o peso do marido em situações em que se tornava necessário proceder à transferência da pessoa da cama para a cadeira e da cadeira para a banheira, por exemplo. Este não é um problema recente, mas notámos ter-se agravado sobretudo durante os primeiros meses de pandemia, em Portugal.

Uma outra questão não menos importante e que merece um lugar central no debate sobre as medidas de apoio aos cuidadores informais, diz respeito à inexistência de regimes especiais laborais ou de proteção no emprego. Durante a primeira vaga da pandemia, chegaram-nos famílias absolutamente desesperadas porque precisavam de continuar a trabalhar para garantir o sustento da família, mas não tinham com quem deixar o doente. As opções que lhes foram disponibilizadas reduziram-se ao seguinte:

  • Ficar em casa a cuidar da pessoa com ELA e deixar de receber o seu rendimento, sem auferir quaisquer apoios complementares capazes de compensar uma perda substancial da sua remuneração mensal;
  • Continuar a trabalhar para garantir o seu rendimento, mas ter de deixar a pessoa com ELA sozinha em casa, mesmo sabendo o risco que isso representaria ou o quão inviável seria. Como é evidente, esta situação só aconteceu nos casos em que a pessoa ainda mantinha alguma autonomia e não em casos em que a pessoa já estava ventilada e totalmente incapacitada.

Esta última situação mostra-nos que o nível de cuidados que a pessoa com ELA implica pode inviabilizar não só a conciliação da prestação de cuidados com a vida profissional, mas também com a vida pessoal.

Sem uma ajuda externa – um cuidador formal ou um assistente pessoal ao abrigo do Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI), por exemplo -, torna-se verdadeiramente impossível ao cuidador informal viver para além daquela que é a sua condição de cuidador. E apesar do sentido de dever, da vontade e da dedicação que investe no ato de cuidar, não pode acontecer que, enquanto Pessoa, se deixe anular nos seus projetos, nos seus afetos, naquilo que foi e no que ainda quer ser.

Enquanto coletivo, não será também nossa a responsabilidade de contribuir para que cuidadores e cuidadoras continuem a cuidar dos seus em segurança e com os apoios necessários, salvaguardando que, mesmo nesse cuidado dedicado, não se tornam reféns do ciclo ininterrupto do cuidar? Que responsabilidades deve assumir um Estado de Direito, no momento de proteger aqueles que cuidam no tempo necessário, que pode durar 6 meses ou uma vida?

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Este texto foi apresentado aos grupos parlamentares que participaram na Audição Pública dedicada à discussão do Estatuto do Cuidador Informal e complementada nas palavras de Teresa Guia, Assistente Social na APELA, que interveio nesta Audição para dar a conhecer os desafios enfrentados por quem cuida e, consequentemente, por quem é cuidado.

Para assistir à intervenção da APELA, na voz de Teresa Guia, clique AQUI.

Para assistir à Audição Pública na íntegra, clique AQUI.

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