Para assinalar o Dia Europeu do Cuidador Informal, agendado para hoje, dia 6 de Outubro, a Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica partilha o testemunho inspirador de Inês Rodrigues, familiar e cuidadora informal de uma pessoa com ELA.

As palavras de Inês dispensam um intróito exaustivo, pela forma fiel com a qual retratam os impactos e os desafios que o diagnóstico de ELA coloca não só a doentes, mas também aos familiares e aos cuidadores que os acompanham. Naquele que é o seu papel enquanto filha e cuidadora, Inês Rodrigues desafia-nos a refletir sobre a importância dos afetos, sobre a necessidade humana de uma procura contínua pela felicidade e sobre a coragem de seguir em frente, numa luta interior na qual não podemos "ser menos do que o melhor de nós próprios".

"Não há outra palavra. Descobrir a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) é um choque. 

Ouvir a combinação entre neurodegenerativa, progressiva e incurável provoca-nos vertigens e, subitamente, é como se o chão se eclipsasse e chegássemos a duvidar daquilo que ouvimos.

Numa primeira fase, em que a pessoa a quem é diagnosticada a doença apresenta poucos sintomas, apressamo-nos a ler tudo aquilo que está disponível sobre o assunto. É avassalador. Perceber que o caminho a percorrer é só de uma via, directo para um estado de dependência completa, em que pouco mais do que o pensamento funciona.

E eis que surge o primeiro desafio. Logo à partida. Perceber o que fazer, a quem recorrer, que estratégias adoptar no contexto da evolução da doença. A informação transmitida no hospital, embora clara, surge muito gradualmente. Certamente para não agravar ainda mais aquele tal choque inicial do diagnóstico. E talvez porque exista uma imensidão de assuntos a explorar. Mas o doente e a família sentem a necessidade de orientação, de se começar a antecipar aos estágios da doença, pois a sua evolução pode ser tão rápida que há urgência em garantir que todos os procedimentos e equipamentos susceptíveis de permitir uma maior qualidade de vida estão disponíveis no momento exacto. E se os processos de atribuição de serviços ou produtos conseguem ser tão burocráticos e morosos…  Infelizmente, descobrimos que o tempo é algo que não joga a nosso favor.

Seria importante, a nível hospitalar, existir um gabinete de apoio que integrasse todas as especialidades que irão intervir na manutenção do estado clínico do paciente – e são muitas, todas em simultâneo: neurologia, estomatologia, gastoentrologia, fisiatria, pneumologia, psicologia – e ainda acção social, e que, a partir dessa estrutura, fossem esclarecidas dúvidas e indicadas hipóteses de actuação em várias frentes, momento a momento.

Apesar de sermos muito bem acompanhados pelos vários profissionais de saúde que nos seguem no hospital, a resposta a esta necessidade foi suprida através da APELA (Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica) e do seu corpo profissional, sempre atento e disponível para encontrar soluções para os grandes obstáculos que vão surgindo. Pessoas com um inestimável valor, que nos compreendem, nos confortam e nos apoiam em todos os momentos, mesmo que há distância, para quem é da zona cetro do país.

E ninguém tenha a menor dúvida de que são os afectos que nos dão força para enfrentar uma situação tão dramática como a de ver um familiar querido perder rapidamente a capacidade de andar ou preencher os pulmões de ar, de mastigar um alimento ou deglutir a própria saliva, de se virar na cama ou folhear um jornal, de mudar um canal de televisão ou de dizer uma palavra sobre o que lhe vai na alma… É duro confirmar cada sentença que foi traçada desde o primeiro dia e ter de lidar com ela daí em diante. Até ao abismo. É extremamente angustiante colocarmo-nos na sua pele e não poder fazer nada para reverter o processo. Portanto, valham-nos os afectos! O amor incondicional que descobrimos à nossa volta. Da família, dos amigos, dos vizinhos, e até de desconhecidos, que se afirmam como uma rede de suporte essencial no combate à doença e ao desânimo. Que estão sempre prontos para socorrer quando ocorre uma emergência, que transbordam alegria nas visitas que fazem, que são parte activa na busca de soluções para os problemas. 

Valter Hugo Mãe diz que “há uma felicidade para os tempos difíceis. Sei que é importante seguir à sua procura.”

E nós seguimos. Sucumbir é algo que não faz parte do nosso ADN e quando nos deparamos, diariamente, com a determinação do nosso querido familiar em aproveitar o que a vida tem ainda para lhe oferecer, sempre com um sorriso terno para quem o rodeia, independentemente da luta interior que trava naquele instante, é-nos impossível ser menos do que o melhor de nós próprios.

Portanto, é importante mostrar que encarar a ELA tem tudo a ver com perspectiva. Ver o copo meio cheio ou meio vazio. Alimentar a agonia ou abraçar o amor que nos circunda. Maldizer a nossa sorte ou agradecer os recursos que nos são disponibilizados.

Tem tudo a ver com aprendizagem. Aprender a viver com a incerteza do que nos espera o dia de amanhã. E, assim, deixar a vida fluir, não tendo grandes expectativas mas não deixando de sonhar e desejar cumprir certos objectivos. Aprender a relativizar tudo, até a chegada de uma pandemia que nos confronta com o isolamento e a perda de serviços essenciais à manutenção da nossa saúde, como as fisioterapias e as consultas de acompanhamento hospitalar, mas que não se configura mais do que uma outra dificuldade face a tantas com que já nos deparámos.

Tem tudo a ver com crescimento. Descobrir novas capacidades, reflectir sobre nós próprios e reinventar a nossa existência.

Tem tudo a ver com esperança. Contra todas as probabilidades, acreditar que a notícia de uma cura chegue em tempo útil e que esta experiência terrífica possa ser apenas a sombra de uma vida". Por Inês Rodrigues.

Para ouvir os testemunhos de Inês Rodrigues e de Rosa Pestana sobre o impacto que a pandemia por Covid-19 teve sobre as pessoas de quem cuidam, clique AQUI.