A história do Humberto

Do olhar

Calado.

Curvado.

Humedecido.

Consumido pela vontade

de
Ir
de
Ficar
de
Escolher
Partir ou de
Escolher trilhar
um caminho para comunicar

Falava-nos da diferença entre Ser e Ter a doença.
Dizia ser mais do que aquilo que ELA calava.
Confirmava mudo, que a identidade lhe havia sido furtada,
Que não se reconhecia no rosto refletido pelo espelho, que o fitava pesado na casa transformada.

A casa de Humberto é hoje a antiga garagem. Um lugar aberto à luz dos dias, acolhedor e, fundamentalmente, adaptado às suas necessidades atuais. Nele, habitam estacionados os sentimentos sem voz.

foi um Passo difícil - recorda -,
Aquele que o forçou a transitar da casa para a garagem. Ou a converter a garagem num lugar que tivesse mais do que a forma de uma casa, mas que o fizesse sentir em casa.

Abandonou, contrariado, as paredes inóspitas, que prometeram guardar, no branco da cal, os segredos de uma vida.

Naquela noite, sentado em frente ao televisor, onde som e imagem se cruzam num movimento ininterrupto e desprovido de sentido, fechou os olhos e ouviu as paredes do andar de cima.

Ecoavam, com nitidez surpreendente, o riso fácil das duas filhas, perdidas uma na outra, numa correria sem destino, entrecortada pelos braços que prendem para no instante seguinte libertarem.
Sentia o aroma das refeições preparadas pela Guida. Regressava a elas para reviver os momentos que fervilhavam no sabor de cada prato.
Estalava a imagem de um murro
Vão, sem
Razão, movido pela
Emoção
um murro dado na mesa de madeira situada junto à sala-de-estar.
Reverberava um grito forte, frustrado, zangado

agora calado

Perguntava hoje, às paredes do andar de cima:
o que fica
deste riso,
do sabor,
deste aroma,
do grito
deste murro
do grito deste murro?

Respondem - as paredes - caladas pelo desenho dos laços que se formam nas sombras que nelas são projetadas.

São laços largos e fortes
desaparecem no espaço
mas regressam no tempo
no tempo que volta
no tempo que rasga
no tempo que nos rasga
a memória

sempre viva

-

Humberto foi diagnosticado com ELA em 2014. Progressivamente, e em virtude da fraqueza muscular, perdeu a mobilidade nos membros inferiores e superiores, a capacidade de deglutir e a fala natural.
Para colmatar esta última perda, começou por comunicar através de Tecnologias de Apoio à Comunicação (TaC), cedidas pela Fundação PT. O manípulo foi a interface sinalizada em 2015, para o Humberto aceder ao computador. Três anos depois, surgiu a necessidade de melhorar o acesso e de introduzir o controlo pelo olhar.
No âmbito de mais uma visita realizada ao abrigo do projeto financiado pelo BPI Capacitar, a APELA procede a uma reavaliação do estadio atual do Humberto e atribui um PT PC Eye Mini para que a sua comunicação possa ser mais eficaz e inteligível com aqueles que o rodeiam diariamente. No lugar onde antes a comunicação era um processo unilateral conduzido pelo cuidador ou pela pessoa que pretendia receber uma mensagem, é agora um processo circular, que a qualquer momento pode ser iniciado, desenvolvido ou concluído pela pessoa com ELA.

-

A instalação do PT PC Eye Mini no computador do Humberto, foi feita com o apoio da Anditec Tecnologias da Reabilitação, um dos parceiros da APELA na área da comunicação aumentativa.