A história da Adelaide

Silêncio. Assim começa a história de Adelaide. Em silêncio.

Na penumbra do instante, onde se descobrem inertes os corpos de quem fala e de quem ouve, estão Adelaide e Humberto. Adelaide sem voz, consequência da progressão da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA); Humberto com uma audição comprometida, consumida pelos dias que foram e que se recusam a regressar.

É nesses dias, furtados à memória e frequentemente mais presentes do que o agora que pulsa, que Humberto se demora para decifrar o que Adelaide esconde no olhar, nas noites em que o sono não chega.

Adelaide, 77 anos. Humberto, 81. O diagnóstico de ELA mudou a vida de ambos, implicou a reestruturação das rotinas diárias e a recriação daquele que sempre foi o seu modo de ser e de estar na (e com a) vida.

Refletiu-se também, nos dias dos dois filhos, Jorge e Cristina, que hoje assumem uma responsabilidade maior: a de cuidadores informais dos próprios pais. Dedicam-lhes o tempo que têm (e o que não têm) para garantir um suporte emocional e financeiro estável, ao qual qualquer ser humano deverá ter direito.

Sentada no sofá verde da sala, com a cabeça pousada sobre a almofada, os olhos parcialmente abertos e os lábios molhados pela saliva que não consegue deglutir, Adelaide gesticula uma frase impercetível, que gradualmente ganha forma e se transforma num discurso estruturado, articulado, acompanhado pela musicalidade da voz, que a define enquanto pessoa e que guarda em si por mais de sete décadas.

Acorda, enfim, para regressar ao mundo decretado como real. Um mundo que se move entre a carne e entre o osso que enforma os corpos.

É neste mundo, que a APELA encontra os medos, as ansiedades, as ausências e as perdas provocadas pelo diagnóstico de ELA: uma doença neurodegenerativa, sem cura e que se caracteriza pela fraqueza e pela atrofia muscular progressivas.

Uma mente aprisionada ao próprio corpo, é uma frase recorrentemente usada para a descrever. A verdade, é que é sempre muito mais do que isso.

ELA é, com frequência, o som que não ressoa, mas que encontra alternativas viáveis em tecnologias que permitem garantir a comunicação de pessoas que apresentam estas características. Os Sistemas Aumentativos de Comunicação constituíram a solução que a APELA apresentou a esta família e que pode constituir uma opção para que a Adelaide continue a comunicar, mesmo na ausência da fala natural. O desafio, neste caso específico, reside na criação de uma tabela composta por símbolos facilmente reconhecidos e compreendidos pela Adelaide, que integra os cerca de 5.2%[1] dos portugueses que não sabem ler nem escrever.

Comunicar é sempre possível e, aqui, a baixa tecnologia (concretizada pela construção de uma tabela de papel plastificada ou em acrílico) é uma solução financeiramente acessível e apropriada às necessidades manifestadas pela Adelaide.

A ELA é uma doença dura e cruel, mas há estratégias que se podem criar para minimizar o seu impacto e garantir qualidade de vida a doentes e cuidadores.

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A visita realizada em contexto domiciliário, junto da Adelaide, foi possível ao abrigo do Projeto financiado pelo BPI Capacitar, através do qual a APELA apoia pessoas diagnosticadas com ELA, que não sejam diretamente acompanhadas nas instalações da Associação, sitas em Lisboa e Porto.

Para mais informações sobre este projeto ou para obter um apoio desta natureza, envie um e-mail para direcao@apela.pt ou ligue para 218 491 756 


[1] Fonte: INE, PORDATA.