A Investigação sobre ELA em PortugalUma Entrevista com a Professora Doutora Dora Brites

A Professora Doutora Dora Brites, investigadora coordenadora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL), lidera uma equipa na investigação focada na identificação dos mecanismos de neurodegeneração e neuroinflamação na Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Em 2015, foi galardoada com o prémio do Programa da Investigação em ELA, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), com o projeto “Explorando o impacto de microvesículas derivadas de astrócitos na degeneração dos neurónios motores e como veículos de libertação de moléculas neuroprotetoras na ELA”. Este projeto visa alcançar potenciais novas estratégias terapêuticas no combate à ELA, para além de envolver a colaboração de distintas instituições internacionais.

Conversámos com a Professora Doutora Dora Brites (DB) para compreender melhor a dinâmica da sua investigação na ELA e a sua opinião sobre o envolvimento que Portugal tem tido nesta área de atuação.

APELA - ELA, sendo uma doença rara, tem ganho bastante atenção mediática a níveis globais desde o movimento viral do Desafio do Balde de Gelo e, mais recentemente, do falecimento do Stephen Hawking. Considera que esta divulgação tem tido um reflexo na investigação científica sobre ELA em Portugal?

DB - Infelizmente a patologia e a doença não são muito conhecidas e, além disto, o facto de [os pacientes com ELA] terem uma sobrevida curta, faz com que o investimento na descoberta das causas da doença seja reduzido, em comparação com outras patologias de maior prevalência, como sejam as doenças de Alzheimer e Parkinson.

Portugal não tem agências ou associações que consigam recolher [fundos] com base em movimentos sociais [como o Desafio do Balde do Gelo] que possibilitem a submissão de projetos de investigação, até porque não há muita gente a trabalhar em ELA a nível Nacional. Mas, daquilo que vejo de outras entidades estrangeiras, é que houve um aumento substancial do financiamento, sendo que os investigadores que concorrem a estas propostas são maioritariamente dos países onde existem essas associações, as quais têm pouca abertura para a apresentação de propostas de entidades externas. Contudo, conseguimos ser competitivos com o que se faz no resto do mundo, e com grande esforço de todos os elementos da equipa conseguimos “descobrir” e publicar, mas não há dúvida que o apoio que nós temos é extraordinariamente inferior aos montantes que outras equipas lá fora têm. Aqui existiu o esforço individual, de concorrer à Santa Casa da Misericórdia, que de facto abriu a possibilidade de financiamento a um projeto de investigação nesta área, e à FCT (Fundação de Ciência e Tecnologia), onde fomos um dos grupos financiados, mas só. Por exemplo, estamos a trabalhar com células estaminais de doentes com ELA, obtidas nos Estados Unidos, e as pessoas não fazem ideia da despesa enorme que é mantê-las 9 meses a crescer para fazer neurónios e, por isso, temos que nos desmultiplicar para consegui-lo e [ao mesmo tempo] facultar a possibilidade de trabalho e novos achados experimentais a alunos a fazer teses de mestrado e de doutoramentos, de forma a sermos credíveis a nível internacional. Essencialmente, nós temos que ter a capacidade de ver onde é que somos mais úteis, porque muitas vezes a investigação básica, pura e simples, não corresponde às necessidades imediatas dos doentes, portanto o que fazemos é uma ciência transversal que pretendemos ver aplicada à clínica. Claro que a ciência básica é fundamental, no entanto quando os equipamentos rondam os milhões, quer de microscopia avançada ou de criomicroscopia eletrónica e muitos outros sistemas de imagem que permitem a visualização e a aquisição de dados de células vivas mantidas em cultura, não é possível fazê-la numa instituição pequena como a nossa.

APELA - A sua pesquisa foca-se bastante nos chamados biomarcadores, importantes indicadores biológicos da presença e/ou estado de doenças como a ELA. Em termos clínicos, qual é a sua importância para a descoberta de novas terapias?

DB - Esta doença, como muitas outras, não tem biomarcadores específicos identificados até agora. Ou seja, a nível da circulação sanguínea, que é a maneira menos invasiva para se obter amostras, não há indicadores fidedignos da doença, e muitas vezes os doentes até serem diagnosticados levam 1 ano. Assim, estes biomarcadores seriam bons para prevenir este atraso no diagnóstico. Mas, acho que mais importante é a descoberta dos alvos e a forma como se poderá modular as células na sua funcionalidade, para não serem tão agressivas na doença e, não digo ainda travar, mas atrasar a progressão da mesma. Portanto, a nossa intenção é pegar em células que sabemos contribuir muito para o avanço da doença, que são os astrócitos, e modulá-los para lhes diminuir as propriedades neurotóxicas e com isso aumentar a sua neuroproteção. De uma maneira geral as pessoas consideram como alvo terapêutico os neurónios, mas para além destes existem as células glias [de uma maneira fácil, as células que auxiliam os neurónios], as quais incluem os astrócitos, que consideramos ser as células mais tóxicas para os neurónios motores. Por exemplo, acreditamos que o transplante de células estaminais neurais, não tem tido grande sucesso porque o ambiente onde são inseridas (por exemplo a medula espinhal) é extremamente tóxico devido aos astrócitos locais que vão atacar estas novas células saudáveis, fazendo com que sobrevivam muito pouco tempo. A nossa ideia é, também, perceber melhor como é feita a comunicação entre astrócitos e neurónios, os quais libertam pequenas vesículas que transportam todo um conjunto de informações entre a célula dadora e a recetora, a qual irá reagir à internalização destas vesículas ficando ativadas e libertando mediadores inflamatórios que contribuem para a progressão da doença. Assim, se conseguirmos modular [os astrócitos], estas vesículas vão induzir uma resposta menos agressiva. E mais, a nossa ideia é no futuro poder usar as células do próprio doente, os astrócitos derivados de células da pele [fibroblastos], após a sua modulação, de forma a viabilizar um transplante autólogo, o que possibilitará uma terapêutica mais dirigida ao doente e dispensará a terapêutica imunossupressora. Como se costuma dizer, e atualmente é cada vez mais aceite, é que não se trata a doença, deve-se é tratar o doente, porque de facto cada doente apresenta características muito próprias e é diferente em bastantes aspetos dos demais. Claro que isto torna tudo mais complicado, até porque, normalmente, os ensaios clínicos onde se testam novas terapêuticas não fazem esta estratificação do doente, considerando o seu perfil fenotípico e a mutação em causa, que pode ser diferente de outro paciente com ELA, o que leva a que muitos destas novas estratégias não se revelem eficazes na maioria dos estudos. E, portanto, pensamos que a terapêutica poderá não ser igual para todos os doentes, o que reforça o interesse das células nervosas que produzimos das células da pele dos doentes, as quais terão a grande vantagem de nos permitir conhecer melhor os mecanismos de doença implicados em cada paciente com ELA, encontrar alvos específicos e testar a terapêutica mais adequada para cada caso. Isto será importante porque até agora não foi possível encontrar um alvo comum.

APELA - Recentemente publicou um artigo sobre ELA na revista científica Molecular Neurobiology. Podia referir o impacto do estudo contemplado no artigo na procura de novos tratamentos para a ELA?

DB - Nesse artigo fazemos referência à identificação de alguns biomarcadores existentes na fase pré-sintomática e mantidos no estádio sintomático da doença, na medula espinal de ratinhos-modelo de ELA (como a pequena molécula de RNA não codificante, o microRNA-155, considerado associado à inflamação) que permitirão o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas, porventura mais eficazes que as atualmente existentes e que alargam o espetro de oportunidades. Trabalhos já realizados e que serão submetidos proximamente a publicação, evidenciaram que são os astrócitos e a microglia (célula de defesa do sistema nervoso central) que sobre-expressam aquele microRNA, justificando a modulação do mesmo nestes tipos celulares. Esta é a nossa proposta nos projetos que estão a ser financiados. Demonstrámos também, muito recentemente, que existem diferenças regionais, sendo que na região cortical o microRNA que está disfuncional nos astrócitos é o miR-146a. A implicação destes diferentes mecanismos em regiões diversas do sistema nervoso central aumenta ainda mais a complexidade da doença e faz pensar que uma terapêutica combinada dirigida a vários alvos possa apresentar vantagem no combate à doença, em futuro próximo. Hoje em dia, já é possível ter modelos 3D (tri-dimensionais) com múltiplos tipos celulares que mimetizam muito bem tanto o córtex motor, como a medula espinal. Claro que estas coisas levam o seu tempo a ser investigadas e esclarecidas, sendo muito difícil aos doentes compreender e aceitar a morosidade destes processos, muito devida ao subfinanciamento a que a ELA tem sido sujeita. Para nós investigadores, para além de termos de lutar com todos estes entraves, é difícil também sentirmos a pressão de não termos uma resposta mais célere e de aplicação imediata nos doentes com ELA. Apesar disso, acreditamos que não há ajuda mais promissora do que conhecer melhor esta doença e a sua origem. Felizmente, já decorreram 8 anos desde que nós começámos a estudar a doença, o que nos levou a adquirir conhecimentos que agora viabilizam, cada vez mais rapidamente, progredirmos no conhecimento dos vários mecanismos da ELA e na elaboração de processos de a combater. A experiência adquirida é uma fonte de inspiração para os caminhos que nos propomos seguir nos próximos tempos, já com alguma segurança e tendo sempre como objetivo último o doente. Por exemplo, as pequenas vesículas libertadas pelos astrócitos que estamos a isolar, podem ser obtidas após a modulação das células que mencionei atrás, de forma a poderem ser facilmente injetadas, porque são muito pequeninas, pelo que já começámos a testá-las no cérebro de ratinhos.

APELA - O desenvolvimento do seu projeto contou com o envolvimento de outros grupos de investigação nacional, igualmente empenhados na procura de tratamentos mais eficazes para a ELA?

DB - Nós tivemos a colaboração do IMM (Instituto de Medicina Molecular, Profs. Alexandre Ribeiro e Ana Sebastião), logo desde o início do nosso trabalho na ELA, nomeadamente porque já tinham o modelo do ratinho em andamento, quando subtemos o projeto à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) em 2010. Posteriormente, estabelecemos parceria, mas que ainda não concretizámos, com a BIOCANT (Centro de Inovação em Biotecnologia), em Coimbra (Dr. Ricardo Neves). Agora em curso, nestes nossos projetos vencedores [da Santa Casa da Misericórdia e da FCT], estamos com o Dr. António Salgado e o Dr. Nuno Lamas, da Universidade do Minho; o primeiro com larga experiência em Medicina Regenerativa em lesões medulares e na doença de Parkinson e o segundo, com os modelos experimentais de doença do neurónio motor, como a ELA.

APELA - O seu projeto conta também com a participação de diferentes entidades internacionais. Pode mencioná-las e explicar um pouco o seu contributo?

DB - Exatamente pelas dificuldades que nós temos em termos de infraestruturas necessárias à nossa investigação, quisemos avançar um bocadinho com o nosso projeto, e tivemos a sorte de usufruir de equipas europeias, que trabalham na área e sermos financiados por um projecto europeu [EU Joint Programme - Neurodegenerative Disease Research (JPND)]. Portanto, colaboramos com a Universidade de Eastern Finland (Finlândia), em particular com o coordenador desse projeto, Prof. Jari Koistinaho, que trabalha com células estaminais [induzidas pluripotentes] de pacientes de Alzheimer e diferenciação [destas] em astrócitos, bem como com a Drª Tarja Malm que as diferencia em microglia. Temos também colaboração com Prof. Brian Kaspar e Drª Kathrin Meyer da Universidade de Ohio, onde a Cátia Gomes, aluna de doutoramento, aprendeu a fazer a conversão direta das células da pele de doentes com ELA em astrócitos. Depois estamos com a Universidade de Lund (Suécia), com [a equipa liderada por] Dr. Laurent Roybon, porque ele consegue diferenciar aquelas células estaminais em neurónios motores com as características do córtex motor, e neurónios motores característicos da medula espinal. Também estamos com França [Drª Claire Rampon de Toulouse], onde estão alguns modelos animais onde essas células foram injetadas para podermos investigar o desenvolvimento da doença. Nós, depois, receberemos os cérebros dos ratinhos para estudarmos algumas das alterações causadas. Por último, estamos com a Universidade de Innsbruck [Dr. Frank Edenhofer, Áustria], onde estão a ser desenvolvidos modelos de organóides, onde se avalia os processos que presidem à formação e organização do sistema nervoso central (neurodesenvolvimento) a partir de destas células [estaminais], possibilitando a formação de modelos tridimensionais de células humanas obtidas da pele dos doentes, hoje conhecidos como recapitulando melhor as doenças neurodegenerativas que os modelos animais.

APELA - Tendo um doutoramento em Bioquímica, o que a impulsionou a envolver-se em doenças neurodegenerativas e, mais especificamente, ELA?

DB - Eu sempre quis fazer investigação, mas tinha, e tenho, dois pólos de atração: a arte e cultura, e a ciência. Andei no Conservatório e estive ligada ao teatro, fiz umas peças, aprendi a colocar a minha voz e fiz representação na televisão. Quando eu estava a fazer a minha licenciatura [em Bioquímica], que era de 6 anos, também dei aulas no ensino secundário, e estava na associação de estudantes. Na altura era apenas uma aluna razoável, com notas médias de 12 [valores], porque fazia e tinha interesse em imensas coisas. Entretanto, decidi deixar de lado todas estas outras atividades e focar-me nos estudos, tanto … que acabei por ser das melhores alunas no ano em que me formei. Nessa altura, o Prof. Carlos da Silveira que foi pioneiro em criar um centro de investigação na Faculdade de Farmácia convidou-me para fazer parte da sua equipa e, depois de 1 mês de férias, comecei logo a fazer investigação.

A minha investigação, provavelmente porque o meu pai era médico pediatra, era muito dirigida à criança e a recém-nascidos. Na altura, era uma preocupação clínica dos neonatologistas a existência de bilirrubina elevada pela sua elevada toxicidade para o sistema nervoso central. O Prof. Nuno Cordeiro Ferreira da Estefânia desafiou-me a desenvolver metodologias bioquímicas que possibilitassem a diferenciação dos bébés em risco de encefalopatia por bilirrubina. Com isso, fui progredindo e avançando, a publicar artigos etc., e, pusemos a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa a trabalhar pela primeira vez em sistema nervoso central. Só que num determinado momento, por dificuldades de obter financiamento para uma doença que também não era muito valorizada, tal como a ELA, resolvi ir para outras doenças mais comuns associadas à degeneração progressiva e morte das células nervosas, em particular as associadas ao envelhecimento, como a doença de Alzheimer e também a ELA. Essencialmente, fiz a ponte entre o neurodesenvolvimento e a neurodegeneração, até porque acredito que a segunda está muito dependente da primeira, ou seja, de condições que podem interferir com o normal desenvolvimento do sistema nervoso central.

Para resumir aqui o percurso realizado, fiz o meu doutoramento em bilirrubina “Contribuição para o Estudo do Mecanismo da sua Acção Tóxica, com Particular Relevância para o Período Neonatal Precoce. Estive com professores que trabalhavam na área, em Paris, França (François Trivin) e em Aarhus, Dinamarca (Rolf Brodersen) e estabeleci colaborações com a Universidade de Stanford nos EUA (Profs. David Stevenson e Vinod Bhutani). Só depois da minha agregação, em 2008, ainda sobre a hiperbilirrubinémia, é que resolvi focar-me na ELA, em 2010, tal como disse. Tendo nessa altura um grupo maior, constituídos pelos investigadores que supervisionei para doutoramento na área da bilirrubina, a minha ideia foi abrir horizontes e entusiasmá-los para que cada um tivesse a sua linha de pesquisa, pois de facto já eram muitos a trabalhar só em bilirrubina e o financiamento cada vez mais difícil de obter! De momento, somos entre 20 a 25 pessoas, com trabalhos ainda em bilirrubina, mas maioritariamente na ELA, Alzheimer e Esclerose Múltipla [financiado pela MERCK], Contudo, colaboramos igualmente com outros colegas na investigação dos mecanismos pelos quais a infecção e o processo inflamatório associado ao vírus da imunodeficiência humana [SIDA] se difunde no sistema nervoso central [prémio do Programa GILEAD GÉNESE], bem como ainda com outros que pretendem aprofundar os efeitos neurotóxicos das novas substâncias aditivas [financiado pela União Europeia e, mais recentemente, pela FCT também]. Os modelos que desenvolvemos com as células nervosas são uma mais-valia nestes estudos.

APELA - Quais as maiores adversidades com as quais se depara enquanto investigadora?

DB - Burocracia, falta de financiamento, e a dificuldade de inserção dos alunos que ficam para doutoramento ou pós-doc. A nível nacional, está mesmo complicado, porque as pessoas não podem estar 40 anos a viver de bolsas, portanto não há uma carreira de investigação instituída, com força, com mobilização, e com vontade académica. Por mais que se goste de investigar, é preciso uma base estrutural e financeira, para constituir família, para saber o que fazer daqui 10 anos e, de facto isso não existe e é causa de insegurança. Perdemos os investigadores que formamos que são “queridos” lá fora e têm outras condições para obter novos dados e publicar. Temos, por exemplo, pessoas com 40/50 anos a viver de bolsas de investigação [académicas], ou seja, numa dependência de contratos feitos a termo e, por vezes renovados, por períodos de tempo demasiadamente longos. Esta luta constante e instabilidade não se compadecem com a criatividade, e o facto de obrigarem um investigador a estar numa situação de rede suspensa, comprometendo a sua capacidade produtiva porque não está 100% de mente livre/disponível… está “aprisionado”. E acho que os nossos políticos não nos entendem quando nos obrigam ao regulamento de compras públicas [estamos desde janeiro suspensos de poder comprar novos reagentes e materiais em determinadas casas comerciais], o que está a comprometer seriamente tudo aquilo que conseguimos nos últimos tempos, como seja a manutenção de células humanas de doentes com ELA e Alzheimer. Por exemplo, levámos vários anos a montar uma técnica com determinados reagentes, e quando nos dizem para usar outros porque são “iguais”, isso poderá comprometer meses de investigação dos nossos projectos porque não possibilitam os mesmos resultados. Isto, já para não falar na situação comprometedora em que ficamos relativamente aos nossos congéneres do consórcio pelo atraso na obtenção de resultados fiáveis. As marcas são de facto importantes em muitos dos protocolos que usamos. É preciso, pois, confiar nos investigadores e perceber que temos uma base científica que justifica a nossa escolha e necessidade daquele produto em causa. Temos o dinheiro e desperdiçámos o momento. Perde-se muito tempo com tudo isto e o desgaste é tremendo pela dificuldade de garantir a continuidade dos processos e, até, o cumprimento do trabalho experimental para teses de mestrado e doutoramento. E agora falo contra mim como farmacêutica, pois acredito que os medicamentos não são todos iguais, apesar de terem o mesmo princípio ativo. Mas este olhar não é só na investigação, é também na arte e na cultura. Acho que um país só é grande se acreditar e apostar na arte, cultura, ciência, saúde e educação, mas também nos seus obreiros.

APELA - Tem algum conselho para futuros cientistas portugueses que desejam prosseguir carreira na investigação da ELA e/ou outras doenças neurodegenerativas?

DB - A resiliência e a qualidade! Eu fui, enquanto estudante ainda, uma “combatente” pelo 25 de Abril, e aliás estive presa em Caxias por distribuir panfletos durante as eleições que o precederam e, já desde aí, sempre tive a ideia que se a pessoa é boa no que faz, consegue ser boa em qualquer sítio do mundo. Agora, o tempo de percurso para lá chegar é diverso. Talvez num sítio mais abonado e com mais estrutura, num espaço de 5 anos o investigador consiga mostrar a sua capacidade. Pelo contrário, em sítios com menos possibilidades demorará mais tempo. Mas acho que vai muito do gosto, da motivação e da capacidade de “sofrimento” do indivíduo para enfrentar adversidades. E também só conhecendo bem a pessoa é que se pode dar um conselho. É um pouco como a ELA, tal como cada doente não é igual a outro, aquilo que um aluno tem na cabeça não faz “voar” um outro aluno. Mas, [de uma forma geral] o mais importante [em investigação] é, sem dúvida, a criatividade e fazê-la por gosto e não por sacrifício. Não acredito que ninguém possa ser bom naquilo que faz por sacrifício, é impossível. Depois é “pesar” um bocadinho aquilo que se tem cá em Portugal…que tem coisas boas! Um sol destes anima a pessoa a fazer elaborações criativas, em comparação com outros países onde esteja sempre a chover. Eu, quando estive fora como doutoranda, e considerando ter cá nascido, faltou-me esse calor. A tristeza instala-se um bocado e, embora possa haver mais qualidade de vida e ter mais tempo para outras coisas, sente-se a falta desse impacto de luminosidade e calor. Mas, tal como disse, isso depende muito do indivíduo.

Quem queira fazer investigação em ELA, ou noutra área qualquer, acho muito importante conhecer as equipas que estejam a trabalhar no assunto, saber o que estão a fazer e, se possível, ir lá ver. Estar presente nos fóruns de ciência e discussão também considero fundamental, porque o crescimento não se faz fechado numa “casinha”, faz-se sim numa abertura completa de espírito, no acreditar que as coisas são possíveis e que há outros que podem complementar aquilo que nós estamos a fazer, trazer novas ideias, etc.. Porque a mesquinhez é uma coisa horrível e, enfim, neste tipo de profissões o importante é ser proactivo, criativo, resiliente e aberto ao mundo.

---

Esta entrevista foi conduzida pelo voluntário da APELA, Filipe Hanson, Mestre em Medicina Molecular, com especialização em Neurodegeneração em ELA.