Entrevista
"O Projecto MiNE é um processo de grande importância, onde pela investigação do código genético dos doentes, pretende-se encontrar novos genes, que possam, pela sua disfunção, estar na origem da doença. Certamente que a compreensão dos mecanismos celulares na origem da morte neuronal permitirá novas estratégias no tratamento".
Professor Doutor Mamede de Carvalho
Neurologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN-HSM)
Group Leader no Instituto de Medicina Molecular (IMM)
Professor de Fisiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL)
Diretor do Instituto de Fisiologia da FMUL
A Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença neurodegenerativa, progressiva e ainda sem cura que, só em Portugal, afeta cerca de 800 pessoas. O facto de as causas desta patologia não se encontrarem ainda definidas dificulta não só a criação de medidas preventivas que permitam antecipar o diagnóstico de ELA, mas também a criação de tratamentos eficazes, responsáveis por atrasar a progressão da doença.
1. Enquanto neurologista com ampla e comprovada experiência nesta área de intervenção, sente que, por ocasião da primeira consulta, grande parte dos doentes desconhece a ELA ou chegou até si muito tempo depois da data correspondente aos primeiros sintomas?
Aquando da primeira consulta, os doentes desconhecem esta doença a menos que informados antes por outro clínico. Sendo uma doença relativamente rara, não surpreende que assim seja. Por outro lado quando os doentes recorrem ao médico na consequência dos primeiros sintomas, em geral, são investigados para outras causas mais frequentes de sintomas semelhantes, o que leva a um atraso no diagnóstico, que é razoavelmente similar na maioria dos centros. Apenas a compreensão de que não é provável que uma falta de força sem dor seja devida à patologia radicular e a realização da electromiografia por médicos experientes em doenças neuromusculares poderia alterar este cenário.
2. Que papel poderá ter a investigação científica na congregação e avaliação dos componentes necessários à criação de um diagnóstico precoce? Há, neste momento, projetos em curso que problematizam esta questão?
A investigação de biomarcadores de forma a identificar um teste simples (por exemplo uma análise de sangue) que permittisse efectuar o diagnóstico de forma simples e fiável, seria uma avanço notável, que permitiria um diagnóstico mais precoce. Vários grupos estudam esta área e alguns resultados muito interessantes têm sido publicados. O nosso centro em colaboração com a Profª Julia Costa do ITQB tem contribuído com trabalhos originais de relevo nesta temática.
3. Como se encontra o estado da arte em Portugal, no que diz respeito à criação e execução de projetos científicos empenhados em encontrar as ferramentas necessárias à identificação pré e pós sintomática de doenças neurodegenerativas?
Neste tema dos biomarcadores temos, isoladamente ou como parte de consórcios internacionais, estudado o sangue ou o liquído cefalo-raquidiano como veículos que possam expressar de forma anormal algumas moléculas nesta doença, que permitam um diagnóstico seguro e precoce, assim como compreender a evolução futura e mesmo o processo de origem da doença. Também estudamos marcadores inovadores na identificação dos sinais de insuficiência respiratória, o que poderá ser muito importante para a definição do melhor momento de início da ventilação não-invasiva. Naturalmente, a nossa atividade nesta área depende de financiamento externo, geralmente muito difícil. Gostaríamos que a nossa Associação pudesse ter aqui um papel importante, no suporte à investigação, como sucede em outros países.
4. De acordo com a investigação científica que tem sido desenvolvida, a nível nacional e internacional, o que podemos esperar em termos de novas possibilidades terapêuticas, responsáveis por atrasar a progressão de uma doença como a ELA?
Penso ser expectável que nos próximos anos outros medicamentos estejam no mercado no tratamento desta doença. Alguns poderão ter uma acção selectiva, por exemplo na melhoria da função respiratória. Este é o caso do tiramsentiv, um medicamento prometedor para a melhoria da função respiratória, actualmente testado.
5. Em que medida é que o Projeto MinE poderá estar na esteira da descoberta das causas da ELA? Assumindo a possibilidade de, através deste estudo, ser possível criar também novos tratamentos, é possível antecipar qual a natureza e o impacto destas possibilidades terapêuticas na melhoria da qualidade de vida da pessoa com ELA?
O Projecto MiNE é um processo de grande importância, onde pela investigação do código genético dos doentes, pretende-se encontrar novos genes, que possam, pela sua disfunção, estar na origem da doença. Certamente que a compreensão dos mecanismos celulares na origem da morte neuronal permitirá novas estratégias no tratamento.
6. Em Agosto do presente ano recebemos a notícia de que havia sido identificado um novo gene - NEK1 - associado à ELA. Que impacto teve este avanço na sedimentação dos objetivos nos quais se ergue o MinE e que eco poderá ter na concretização do propósito basilar deste estudo?
O projecto MiNE esteve na origem (e este projecto mal começou) da descoberta de 4 novos genes. O trajecto entre a descoberta de um novo gene à identificação da molécula que daqui resulta alterada e de como esta interfere na fisiologia celular é um processo longo, requer intensa investigação. No entanto, este é o caminho e estamos a trilhá-lo de forma acertada.
7. Portugal é um dos países que participa no Projeto MinE, comprometido em analisar o perfil de ADN completo de pelo menos 15000 pessoas com ELA e de 7500 casos de controlo. Em Portugal, quantas amostras deverão ser recolhidas para assegurar a nossa participação nesta investigação e qual o valor correspondente a cada uma delas? Neste momento, quantas amostras Portugal já analisou?
O nosso centro enviou recentemente 58 amostras, entre doentes e controlos, como parte deste projecto. Deve ser salientado que este é um processo complexo. A preparação técnica das amostras e o seu envio é um processo custoso em termos de tempo e económicos. Para além do elevado custo do estudo genético, este suportado pela Associação a partir de verbas recolhidas para este processo. O nosso objectivo é de enviar mais amostras, mas tal depende do sucesso desta campanha em captar mais donativos. Nesta primeira fase gostaria de agradecer às Dras Ana Catarina Laborinho-Pronto e Marta Gromicho Silva (ambas da minha Unidade do Instituto de Medicina Molecular), sem cujo apoio técnico eu não teria sio capaz de efectuar os procedimentos.
8. De que forma é que as pessoas diagnosticadas com ELA se podem envolver neste projeto?
Qualquer doente ou familiar, ou amigo, poderão contribuir para este projecto, monetariamente, pois qualquer ajuda é bem vinda (https://www.projectmine.com/country/portugal/). Por outro lado, podem contribuir também com ideias para organizar campanhas. Finalmente, os doentes, familiares e amigos, poderão dar uma amostra de sangue para recolha de DNA, de forma anónima.
9. Como pode a sociedade portuguesa contribuir para assegurar a continuidade deste projeto ou potenciar os seus resultados?
A sociedade, acarinhando este projecto, pode ajudar a difundi-lo e garantir meios para o seu sucesso, nomeadamente pelo apoio económico. Este depende da divulgação e participação. Portugal tem competência em mover-se para fins determinados. Este poderá ser um deles. Esperemos que sim.